Após uma grande perda, acontece o luto, que é um estado emocional e transforma-se em um processo de enfrentamento.
Como explica a psicóloga analítica Victoria Kimmelmann e Silva, o luto pode surgir não somente após o falecimento de alguém, mas também em outras situações. “É um processo de enfrentamento de dor e também pode ser o processo de superação e elaboração relacionado à separação conjugal, mudança de cidade, aposentadoria, perda de um membro do corpo, entre outras coisas”.
Esse comportamento pode resultar em outras reações no corpo humano, que são identificados como sintomas. De acordo com o psicólogo e analista de comportamento Damião Silva, o processo de luto apresenta crises de choro, tristeza profunda, crenças irracionais, isolamento, culpas, frustrações, irritabilidade e, em alguns casos, até agressividade.
É indispensável compreender como o processo de luto pode ser atravessado para contornar possíveis transtornos de saúde e para oferecer apoio necessário para pessoas próximas que estejam passando por essa situação. O Brasil teve mais de 600 mil mortos pela pandemia de Covid-19 e perder algum ente querido, como está acontecendo com muitas famílias, traz sensações desgastantes e até mesmo desconhecidas.
Segundo a psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross, as cinco etapas que formam esse cenário emocional, são: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. “As fases são sequenciadas, mas em alguns casos pode acontecer concomitantemente ou a pessoa pode não vivenciar todas elas”, diz o psicólogo Damião Silva.
A etapa de negação, geralmente acontece em seguida à situação de perda. “É nessa fase que a pessoa passa a atuar com um mecanismo de defesa e surgem diversos pensamentos automáticos, como, por exemplo: ‘Isso não pode ter acontecido’ ou ‘Poderia ter sido comigo e não com ela’”, afirma Damião.
Na hora da raiva, a pessoa faz uma reflexão e começa a demonstrar e colocar para fora um sentimento: a revolta com tendência à agressividade. “Durante a negociação, surgem os pensamentos de que as coisas possam voltar a ser como eram e a pessoa tenta negociar com ela mesma, com os outros e com o caso da perda em si”, explica o psicólogo.
A etapa da depressão pode ser muito intensa e forte. Damião aponta que “geralmente é quando a pessoa começa a lidar, verdadeiramente, com a perda. Nessa fase, a pessoa já lida com os sentimentos de uma forma leve, seguindo para a aceitação”. Ainda de acordo com o psicólogo, quanto mais tempo negar a situação, mais tempo a pessoa levará para alcançar a fase da aceitação.
Segundo a psicóloga Victoria Kimmelmann e Silva, também podem aparecer sintomas físicos. “A dor física e a dor psíquica aparecem, assim como apatia, insônia, falta de apetite e dificuldades de organização, atrapalhando a vida de forma geral. Infelizmente, muitos sintomas podem acarretar em uma organização da rotina e dificultam o autocuidado necessário e a saúde da pessoa enlutada”, destaca.
Cada um no seu tempo
A forma como o período de luto deve ser enfrentado não é uma receita de bolo, portanto, a psicóloga destaca que cada um tem seu processo de forma particular. “É importante observar que, apesar de existirem sintomas comuns, cada pessoa vivencia o luto de uma forma única e singular, no tempo que for necessário para ela.” Ela também indica que algumas práticas sejam adotadas, como o acolhimento, por exemplo.
“O acolhimento é de extrema importância porque, além de tudo, ainda existe muito julgamento durante o processo. É possível identificar um machucado no corpo e a possível dor que ele causa. Contudo, a dor do luto é interna, é escondida e não está evidente. É importante que o entorno possa dar apoio e compreensão à pessoa, seja o trabalho ou na vida pessoal”, explica Victoria.
Procurar a ajuda de profissionais da área da saúde é recomendado para trabalhar nas questões relacionadas à perda e à pessoa que faleceu. “Além disso, mais um espaço seguro de acolhimento que proporciona saúde mental e retornos à rotina após a perda. Psicólogos, psiquiatras e outros tipos de terapeutas podem ser muito indicados para estes trabalhos”.
Os psicólogos da entrevista indicaram alguns livros que podem ajudar no processo de luto, confira:
- Mulheres que correm com os lobos – Autora: Clarissa Pinkola Estés
Na opinião da psicóloga Victoria Kimmelmann e Silva, a autora do livro apresenta reflexões sobre a vida e a morte. A autora é uma analista junguiana que pesquisa as mulheres em sua ampla forma na natureza, com o instinto feminino, e percebe a chave da sensação de impotência que a mulher moderna carrega.
- Menina Nina – Duas razões para não chorar – Autor: Ziraldo
Esse título foi indicado tanto por Victoria quanto por Damião. O livro conta a história de Nina, uma garotinha que perdeu a avó querida e precisa lidar com o luto, sendo apenas uma criança. Os psicólogos destacam que é uma ótima opção para qualquer idade, mas, principalmente, para os pequenos. O livro traz uma complexidade que os adultos entenderão e fala sobre dor e esperança.
- A roda da vida – Autora: Elisabeth Kübler-Ross
O livro da psiquiatra é uma das indicações de Victoria. Na obra, a autora relata a própria experiência com pacientes portadores do vírus HIV que desenvolveram Aids e também idosos com doenças fatais. Na opinião da psicóloga Victoria, o título traz inúmeras mensagens de descobertas e compaixão, que é um sentimento importantíssimo nos tempos atuais.
- Sobre a morte e o morrer – Autora: Elisabeth Kübler-Ross
A indicação do psicólogo Damião Silva fala sobre os estágios do luto, como citado anteriormente. No título, a psiquiatra descreve sobre situações que enfrentou com pacientes em estado terminal e conta sobre suas agonias e frustações. As palavras vêm em forma de encorajamento para que as pessoas não se afastem dos doentes condenados e, sim, que os ajudem.
- Conversando sobre o luto – Autoras: Edirrah Gorett Bucar Soares e Maria Aparecida Mautoni
Seguindo a visão da psicóloga Victoria, o título acompanha o estilo de autoajuda e se propõe a ajudar as pessoas no desafio diário de lidar com a angústia do período de luto. As autoras trazem alguns depoimentos reais, reflexões e orientações para que as pessoas possam entender melhor o processo de luto e como podem seguir em frente, mesmo depois de uma perda tão grande.
- A morte é um dia que vale a pena viver – Autora: Ana Claudia Quintana Arantes
Na opinião do psicólogo Damião Silva, o título é fácil e fluido, apresentando temas que ainda são considerados pela sociedade como tabus. A autora é médica e conta com detalhes sobre as dificuldades que enfrentou durante a vida para ser compreendida. Ela relata que os pacientes merecem atenção, mesmo quando não se há mais chances de cura. No livro, ela apresenta o medo e a angústia de forma leve e destaca que devemos aceitar nossa essência para que o fim seja apenas o “término natural de uma caminhada”.
- As intermitências da morte – Autor: José Saramago
A última indicação do psicólogo Damião, é um livro clássico do autor. No título, o psicólogo reforça que o luto faz parte da existência humana e não se tem como fugir dele, mas podemos aceitá-lo e amenizar essa dor, e o livro pode ajudar. O autor faz reflexões sobre a morte e como ela chegará para todos, independentemente de classes sociais ou condições financeiras, pois é uma condição humana e natural. Ele traz nas palavras bom humor e amargura na medida certa para deixar o tema descontraído e leve.