Só no Brasil mais de 610 mil pessoas morreram em decorrência da pandemia da Covid-19. Diante de tantas perdas, a psicóloga da Secretaria de Saúde do Distrito Federal fala da importância da respeitar esse momento tão complicado na vida de tantas pessoas e ressalta a necessidade de saber lidar com esse processo de despedida.
O Brasil está em luto tanto pela morte das pessoas por consequências da Covid-19 quanto pela perda repentina da cantora Marília Mendonça, que era uma das vozes femininas mais ouvidas do país. A população teve que aprender a lidar com a morte em um espaço muito curto de tempo.
No programa CB Saúde do dia 11 de novembro, programa esse que é uma parceria entre a TV Brasília com o Correio Brasiliense, Flávia Nunes, psicóloga da Secretaria de Saúde do Distrito Federal falou que o assunto ainda é um tabu. Flávia é especialista em tanatologia, o estudo da morte, e, de acordo com ela, o ser humano deve aprender a lidar com o luto. Confira mais detalhe sobre a entrevista a seguir!
Entrevista da especialista em tanatologia Flávia Nunes
Flávia Nunes concedeu uma entrevista à jornalista Carmen Souza do Correio Brasiliense, onde falou sobre o tema da morte e a sua complexidade. “Não é fácil superar um momento como esse, mas é possível”, afirma a especialista.
De acordo com a psicóloga, a morte é um tema muito complexo e possui muitas dimensões e não é só uma questão biológica, mas também psicológica e emocional. Sendo assim, são muitos os questionamentos em relação à morte.
Muitas vezes nos perguntamos a seguinte coisa: o que define estarmos vivos? Neste sentido, existem as questões sociais, culturais e psicológicas que envolvem o assunto morte. Ainda mais se pensarmos que, ultimamente, estamos em contato constante com a morte devido a pandemia do novo Coronavírus (Covid-19). Por isso, é importante que possamos falar sobre o assunto para que a morte deixe de ser um tabu para a sociedade.
Quando se trata de falar sobre os sentimentos após a morte de alguém importante, as reações das pessoas podem ser as mais variadas possíveis. Dessa forma, é bem possível que elas não queiram falar ou entender essa realidade tão humana.
As despedidas dentro de casa
Há algum tempo, as despedidas de pessoas falecidas ocorriam dentro das próprias casas e, por isso, toda a família participava desse ritual de despedida, inclusive, as crianças. Contudo, as coisas mudaram e essa tradição acabou ficando para trás. Sendo assim, essa mudança fez com que falássemos bem menos sobre a morte, principalmente, com as crianças e as pessoas mais jovens.
De acordo com a psicóloga, essa mudança ocorre por vários fatores, que inclui o desenvolvimento tecnológico e a incessante busca pela cura. A dificuldade de lidar com os sentimentos ligados à morte faz com que tenhamos dificuldades de aceitá-la.
Por isso, quanto mais conseguimos prolongar a vida, melhor. Não que isso seja negativo, o problema é que muitas vezes vemos a morte como algo negativo, como um fracasso, mas isso não é verdade.
Essa sensação que temos que a morte não deveria acontecer é algo errado e que pode prejudicar psicologicamente as pessoas, justamente porque essa é uma realidade que atingirá a todas pessoas vivas.
Portanto, devemos falar sobre isso para que posamos lidar melhor quando a morte aparecer na vida da gente e tivermos que lidar com a perda de alguém especial em nossas vidas.
Luto disfuncional
Antes de tudo, é importante compreender que o luto é um processo natural e normal, sendo que todos nós passamos ou passaremos em algum momento da vida. Entretanto, é importante não ficar focando no que as pessoas esperam de você durante o processo de luto, apenas sinta o que tem que sentir na hora que tiver que sentir.
Muito se fala sobre o tempo de luto e sobre a licença que as pessoas enlutadas tem do trabalho quando perdem alguém muito importante, que normalmente não são suficientes para que ela se recupere do trauma. Não podemos esperar que uma pessoa volte ao trabalho totalmente recuperada depois de perder alguém, pois essa recuperação requer certo tempo.
É muito importante se observar nesse processo de luto tanto para se entender melhor quando para saber se está em um grau de sofrimento aceitável ou normal. Pois o natural é ficar em movimento pendular, ou seja, em alguns momentos você estará mais triste e em outros menos.
É importante também verificar se a pessoa enlutada está caminhando para uma recuperação ou reorganização da vida mesmo com a dor e sofrimento ou se ela está muito presa na tristeza e dor do luto.
A perda de Marília Mendonça
A perda da cantora Marília Mendonça causou uma comoção no país, mas porque isso ocorre? A perda de uma pessoa famosa nos faz pensar sobre a nossa própria morte? Essas perguntas também foram respondidas pela psicóloga, que as respondeu da seguinte maneira:
“Quando nos colocamos como seres mortais, pensamos em todos aqueles que deixaremos caso a morte venha a nos acometer. Quando se é mãe, lembramos dos nossos filhos, quando somos filhos, pensamos em nossos pais. Quando morre uma pessoa importante, próxima ou muito conhecida, isso nos faz pensar sobre vários simbolismos e nos lembra da nossa própria finitude como seres vivos. No nosso cotidiano, não costumamos pensar que somos seres finitos e que todos vamos morrer um dia. A morte não escolhe cor, classe social ou origem, ela está aí para todos, sem distinção. Quando uma pessoa jovem e famosa morre no auge de sua carreira, nos traz a sensação de injustiça, mas temos que pensar que todos vamos morrer uma dia, independente de qualquer coisa”, ressalta a especialista.
Quando nos lembramos da música da Marília, “Todo mundo vai sofrer”, não estamos defendo a sofrência, mas estamos tentando normalizar os sentimentos.
É importante escolhermos passar por todos esses sentimentos de luto quando eles aparecerem e também devemos saber pedir ajuda quando for necessário.
Os rituais de despedida
Durante a pandemia uma das questões mais complicadas para lidar com a dor da perda foram as restrições referentes aos funerais. Pois as despedidas são muito importantes para o processo de luto.
Para evitar a proliferação da Covid-19, os órgãos de saúde proibiram as realizações de funerais com muitas pessoas. Isso trouxe grandes dificuldades de entender o processo de luto, porque a despedida é uma parte muito importante do processo de entendimento do luto.
A falta de rituais nos trouxe a necessidade de sermos mais criativos em relação a despedida e muitas pessoas tiveram que se adaptar a nova forma de se despedir de seus entes queridos.
Portanto, as despedidas não ocorreram da forma tradicional, por isso, algumas pessoas tiveram mais dificuldades de entender a falta das pessoas que se foram nesse período.