Entender os significados das palavras é uma tarefa pra lá de delicada. Já que, um conceito envolve história, contexto, hábitos sociais e culturais. Não é à toa que muitas pessoas confundem exumação e cremação. Entenda a diferença para nunca mais se confundir!
A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te ouço a passada
Existir como eu existo.
A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.
Fernando Pessoa,
O tema deste artigo é a diferença entre as palavras exumação e cremação. Mas por que começar com um poema de Fernando Pessoa? Será que a redação está extrapolando o sentimentalismo? Calma, o motivo desse belo poema não é meramente questão de inspiração.
Acontece que essa poesia nos leva ao cerne da nossa questão: os significados da morte e do morrer, da vida e do viver. Além de que nunca é demais trazer um pouco de poesia aos nossos dias mortais, principalmente pelo momento delicado que vivemos.
Assim, exumação e cremação são termos que dizem respeito ao nosso destino final, remetem às práticas em relação à morte, construídas ao longo da história da humanidade.
Fazendo uso das palavras, Fernando Pessoa a vida como “verdade e caminho” e a morte como “a curva na estrada”. E ambas fazem parte do existir de todos nós.
Assim, as rimas desse incrível poeta português têm tudo a ver com nosso assunto e ainda trazem um tanto de beleza literária aos olhos e corações de nossos leitores.
Antes de continuar, aqui vai uma dica de leitura, para você que gosta de explorar os significados culturais das palavras: Você sabe o que significa “meus pêsames”? Aprenda agora!
Sentido das palavras: muito mais do que apenas uma definição do dicionário
Compreender os significados das palavras exige mesmo um caminho tortuoso. Uma empreitada que nos faz descer o morro em direção às origens da linguagem. Reconhecer um significado é compreender a própria cultura e encarar de frente como representamos as coisas no mundo.
Então vamos juntos desvendar quais os sentidos de exumação e cremação, em seu teor gramatical, prático e cultural.
Essas palavras são tão frequentemente confundidas não só porque ambas terminam com sons iguais, mas porque nos distanciamos de seus significados originais.
Desejamos uma ótima leitura!
Leia também: Qual a diferença entre sepultar e enterrar?
Exumação e cremação: qual a diferença?
Na prática, cremação é o ato de incinerar, pôr fogo em um corpo morto, está intimamente ligada à morte, pois não se pode cremar um caderno, nem roupas, ou um objeto qualquer. Nunca ninguém diria: “O Museu Nacional foi cremado”. Mas sim, ele foi incendiado.
Isso porque essa palavra é uma ação, feita deliberadamente, propositalmente, e exclusivamente em cadáveres. Não se crema uma planta, mas se crema um animal. Então tem a ver propriamente com um rito, com uma cerimônia de despedida e com o destino dos corpos mortos com valor sentimental.
Por outro lado, exumação significa tirar da terra, desenterrar. Não se limita somente aos assuntos ligados à morte ou ações que modificam um corpo morto, mas tem a ver com todo tipo de escavação.
Além das práticas em cemitérios e jazigos, pode relacionar-se também com práticas da paleontologia e da arqueologia. Assim, exumação vai além de uma prática funerária e isso tem tudo a ver com a origem da palavra e com o uso que fazemos dela atualmente.
Já temos, então, uma diferença fundamental: cremação só tem significado preciso quando relacionada às práticas culturais que envolvem a morte; enquanto exumação tem uma aplicação muito mais ampla, condizente à técnica de escavar e retirar debaixo da terra.
Agora trataremos de cada um dos termos separadamente, para que não restem dúvidas quanto aos seus significados específicos e aplicação no momento de se pensar em práticas e processos que dizem respeito ao destino final de nossos corpos materiais.
Significado de cremação
Apesar de “cremação” ser uma palavra que vem do latim – uma vez que o português brasileiro tem forte influência latina -, a origem da prática da cremação em si não está localizada no Sul da Europa.
Os primeiros registros de corpos cremados datam da Idade da Pedra, cerca de 3 mil anos antes de Cristo, no Leste europeu, espalhando-se pelo Norte e alcançando o centro-Sul da Europa e a Ásia entre os anos de 2 mil a.C. e 800 a.C.
Assim, antes da institucionalização do cristianismo, grande parte das populações preferiam a cremação, com exceção de alguns povos africanos, como os egípcios.
No entanto, a popularidade dessa prática ampliou-se pelo seu uso nas culturas budistas, que a sistematizaram dentro do processo dos cultos fúnebres, relacionando a cremação com as crenças e as práticas religiosas.
Apenas em 500 d.C o Japão adotou a cremação, sob influência da colonização cultural chinesa. Mas foram eles que mantiveram a prática coerente dentro do argumento que tinham da importância de despregar-se do mundo material após a morte e limpar, ou melhor, neutralizar o fétido processo de decomposição dos cadáveres.
Você deve estar se perguntando: o que tudo isso tem a ver com o significado da palavra cremação?
Tem a ver que essa prática cultural envolve muito mais que a língua latina que foi transformada até alcançar sua forma no português brasileiro. A palavra tem significados em sua origem nas línguas anglo-saxãs e orientais, além das línguas românicas, como veremos abaixo!
A primeira origem da cremação
Podemos resgatar como uma das primeiras ocorrências da palavra cremação nos idiomas indo-europeus, muito distantes do latim, entre os povos eslavos da Europa Ocidental. O que condiz nada mais nada menos com o russo.
A prática da cremação em russo é chamada кремация, pronuncia-se krematsia, o que já nos indica a relação entre o termo em latim e sua origem indo-europeia.
Qualquer semelhança não é mera coincidência. As palavras são semelhantes por conta das influências linguísticas geradas pelas relações inter-culturais.
Não podemos dizer muito mais do que isso, por falta de possibilidades de materiais e dados para estudar o funcionamento dessas línguas antigas. No entanto, o termo russo, muito parecido com a palavra “cremação” significa atear fogo, incinerar, um corpo morto.
Gosta de curiosidades? Então este artigo foi feito pra você: Túmulos de famosos: confira os 15 mais visitados do Brasil.
A palavra no Norte europeu
Seguindo a história da cremação, que do Ocidente da Europa alastrou-se pelo Norte, chegando à Grã-Bretanha e depois alcançando a Itália, Grécia e outros países da região centro-Sul.
Temos, assim, que olhar a palavra formada entre os anglo-saxões. Em inglês a palavra cremation tem origem latina. Isso significa que temos que levar em conta o latim para considerar seus significados mais recentes e sua relação com o português e o inglês contemporâneos.
Leia também: A vida é uma joia, mas as cinzas de cremação podem ser… um diamante! Saiba como transformá-las.
A palavra em sua origem latina
Em latim, a palavra é cremo, com o verbo cremare, segundo o dicionário Priberam e o Oxford Dictionary. Cremare tem um significado preciso: queimar, consumir pelo fogo. Sem variações, sem composições, sem maiores mistérios.
Não é de todo incorreto dizer que a palavra latina – que deu origem à “cremação” em português, à “cremation” em inglês, à “cremazione” em italiano e à “cremación” em espanhol – tenha sido constituída sob influência das língua indo-europeias.
Assim, temos uma cadeia interpretativa que nos leva a entender os significados semânticos e históricos dessa prática que vem, depois de milhares de anos, ganhando novamente espaço e visibilidade entre as culturas pelo mundo a partir do século XX.
Mas e os japoneses? Onde eles entram em meio a toda essa história?
Saiba mais sobre a cultura japonesa e sua relação com a morte: A morte do outro lado do globo: conheça o funeral no Japão.
As culturas ocidentais e a cremação
Os povos asiáticos são aqueles que sempre deram massiva preferência para a cremação, fazendo dessa prática uma ideologia e uma experiência relacionada às crenças em vida após a morte e na importância que se dá ao espírito em detrimento do corpo material.
Até por isso o termo em kanji, língua usada no Japão, é muito mais preciso e completo que o cremare do latim. Olharemos a composição da palavra apenas superficialmente, até porque não é nosso objetivo nos tornarmos especialistas em formação de palavras japonesas.
A palavra é kasou: 火葬 | em que 火 (ka) significa fogo, chama, labareda, queimadura; e 葬 (sou) significa enterrar, sepultar, funeral.
Assim, kasou é o que conhecemos como cremação, mas a composição da palavra está muito mais relacionada com o ritual de passagem da vida para a morte que os termos de origem latina e com raízes eslavas.
Quer mais informações sobre os mistérios ocultos da morte? Dá uma olhadinha neste texto: Você sabe o que é reencarnação? Entenda o seu significado!
Qual o significado cultural da cremação?
Diante disso, podemos concluir que o ato de cremar no mundo ocidental tem uma função prática, principalmente nos dias atuais: desfazer-se de maneira fácil, higiênica e compacta dos restos mortais de um falecido.
De maneira que as crenças religiosas que regem as homenagens póstumas são muito amplas. A cremação torna-se, assim, uma técnica acessível a qual acolhe diversos tipos diferentes de cultos fúnebres, uma vez que o ato de cremar relaciona-se com medidas sanitárias e condições infra-estruturais da sociedade ocidental contemporânea.
Ou seja, realizar essa prática não tem fundo religioso e abre espaço para manifestações religiosas diversas durante os ritos do funeral.
Por outro lado, as culturas orientais compreendem o ato de maneira diretamente relacionada à religião, o que é demonstrado até mesmo na formação e no significado da palavra.
A essa altura, talvez você queira entender mais como ocorre o processo de cremação. Também temos um artigo sobre o assunto, acesse: Retornando ao pó: conheça passo a passo o processo de cremação.
Significado de exumação
Ao contrário de inumar, exumar um corpo significa tirar da terra, desenterrar. Do latim: ex: para fora; e humus: solo, terra.
Nossa explicação sobre exumação será um tanto mais simples que a explicação que demos à cremação, até porque os sentidos culturais da cremação são muito mais complexos – como vimos – do que os da exumação.
A exumação difere-se determinantemente da cremação, pois seu ato acontece muito depois da morte e da realização do funeral, além disso, para exumar-se um corpo é preciso fazer a inumação primeiro, ou seja, sepultar. É possível exumar um corpo cremado, ou melhor, as cinzas de cremação, desde que elas tenham sido enterradas.
No entanto, as práticas culturais da exumação são mais comumente relacionadas a sepultamentos, por motivos religiosos ou para fins de pesquisas.
Aliás, é através da exumação que podemos resgatar a história da humanidade e verificar corpos e objetos de tempos remotos: as escavações que levam a exumação é um método que os historiadores usam para investigar o passado.
Leia também: Tudo o que você precisa saber sobre sepultamento em tempos de Covid-19.
A exumação no cristianismo
O ato de enterrar – inumar ou sepultar – os corpos é uma tradição católica e também bastante presente na cultura egípcia. Muitos corpos sepultados foram exumados ao longo da história por motivos religiosos.
Havia uma necessidade de manter os cadáveres de figuras importantes, como santos, papas, padres, entre outros, em lugares considerados sagrados. Assim, a igreja se pôs a exumar e reinumar – sepultar novamente – vários corpos de figuras importantes para os cristãos.
Traremos alguns exemplos que ajudarão a entender o motivo da exumação e seu significado teológico.
A exumação de Santa Cecília
Santa Cecília viveu no século II, foi considerada Santa muito tempo depois de ser assassinada por sepultar seus parentes que foram dados como hereges.
O ato da moça foi visto como uma provação de sua crença inviolável, que a levou a preferir a morte a negar o direito sagrado de um enterro dignamente cristão aos seus familiares.
A Santa foi exumada duas vezes:
Em 822, o Papa Pascoal I localizou seu túmulo e transferiu o corpo para a catedral que fora construída em sua homenagem, mantendo a Santa no lugar sagrado a que lhe era dedicado. A Santa permaneceu ali, em um altar abaixo do templo, na mesma posição e com as mesmas vestimentas com que fora enterrada no primeiro sepultamento.
Em 1599, durante uma reforma na catedral, o Cardeal Paolo Emilio Sfrondati exumou o corpo novamente, trazendo à tona toda uma história sobre as práticas e crenças dos primórdios do cristianismo.
Um artigo que você não pode deixar de ler: Maiores cemitérios do mundo: em quais desses você teria coragem de ir?!
A exumação do Padre Pio
Em 2009, o corpo do Padre Pio, o São Pio de Pietrelcina – foi exumado para cerimônias religiosas que celebraram seu aniversário de morte. O objetivo era expor o corpo do santo para exibição e adoração dos fiéis.
Saiba mais sobre práticas do cristianismo. Confira: Missa de sétimo dia: como marcar e como convidar os amigos e parentes para a homenagem.
A exumação obrigatória
Com exceção dessas práticas cristãs, a exumação é feita em meio a escavações de cunho científico, como já mencionamos, levando à exploração dos mistérios sobre o passado enterrados há tempos.
Além disso, a exumação acontece com a maioria dos corpos sepultados atualmente. Isso porque o espaço nos cemitérios é limitado e nenhum corpo pode permanecer na mesma sepultura eternamente.
Quem é sepultado em jazigos alugados, por lei é exumado cerca de 3 a 10 anos depois do sepultamento.
Aqueles que possuem jazigos perpétuos podem garantir permanecer no mesmo lugar por mais tempo, mas eventualmente serão também exumados, quando o jazigo atingir sua capacidade total e for necessário abrir espaço para um recém-falecido da mesma família.
Os restos mortais exumados normalmente são encaminhados para um ossário, que alojam os ossos dos falecidos, uma parte do corpo que não entra em decomposição tão facilmente. Por vezes, é feita a cremação do corpo exumado, transformando-o em cinzas. Menos comumente, o corpo exumado é enterrado novamente em uma outra sepultura.
Assim, quem pensa que sepultar significa deixar o corpo descansar em paz está muito enganado. Cedo ou tarde um corpo sepultado será exumado.
Temos outras análises socioculturais no artigo: Dia dos Finados: uma celebração universal? Descubra agora!
Os sentidos culturais da exumação e cremação no século XXI
Por fim, o processo de exumação é um dos motivos pelos quais as pessoas têm preferido a cremação ao invés do sepultamento nos últimos tempos. Não tem a ver com religião, crença ou cultura, mas sim com falta de espaço.
O tempo em que um corpo permanece enterrado diminui cada vez mais, as exumações são cada vez mais frequentes por conta do aumento da população e o consequente aumento do número de mortes.
Assim, para garantir que o destino final de um corpo realmente permaneça intacto, a única maneira é a cremação. Um corpo sepultado em cemitério certamente será exumado, seja em três, em cem, ou em mil anos, seja por motivos de infraestrutura, religiosos ou de investigações científicas.
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