A psicologia já desenvolveu vários métodos para acolher os enlutados e ajudá-los a superar a dor da morte. Confira qual a função desses profissionais e como acontece a terapia de luto.
Muitos são os pesares que acometem àqueles que se veem diante da morte e é por isso que recorrer a uma terapia de luto é uma boa opção em boa parte dos casos de quem está sofrendo com a perda de alguém querido.
Já que, ao longo do tempo, perdemos a percepção da naturalidade da morte e os terapeutas oferecem soluções para esse desvio.
Nem todo luto é patológico, alguns enlutados conseguem enfrentar as cinco fases do luto apenas com a ajuda de amigos e familiares.
No entanto, quando os sentimentos melancólicos prejudicam a realização das tarefas cotidianas, procurar um terapeuta especializado em luto é a melhor escolha para solucionar esse problema.
A psicologia trabalha com a construção dos vínculos afetivos e também com os processos de desvinculação.
Assim, lidar com a morte é a quebra de vínculo mais complicada e definitiva, pois exige que o sobrevivente faça uma ressignificação da vida a partir da ausência da pessoa querida.
Dessa forma, para que esse processo seja realizado de maneira saudável, o enlutado precisa lidar com diversos sentimentos: a culpa, a raiva, a falta, o apego, o desapego, a solidão, o desenlace e a abertura para formar novos laços.
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O que é a terapia de luto?
A terapia de luto é uma intervenção médica em que o profissional da saúde atende o paciente semanalmente, a fim de fazer com que ele consiga manifestar os seus sentimentos encobertos diante da morte e tornar o momento da finitude menos misterioso e obscuro.
A grande dificuldade em se superar a dor da morte atualmente está na falta de autoconhecimento, no sentimento de incompletude e na dificuldade de aceitação do ciclo natural da vida.
Isso porque há, com a tecnologia e com as ciências médicas, uma promessa de longevidade e um distanciamento de caráter natural intrínseco à humanidade.
Sentimo-nos superiores à natureza e quando a morte mostra a força do natural o que fica é a inconformidade, que nos impede de levar a vida adiante com leveza, sabendo que a morte está logo ao lado.
Acidentes de trânsito, mortes por armas de fogo, mortes acidentais por intoxicação, mortes súbitas, por AVC, parada cardíaca, morte do dia para a noite por contração do coronavírus… estamos submetidos a isso todos os dias, mas quando acontece com alguém que amamos não nos convencemos tão facilmente.
Assim, a terapia de luto é um meio especializado em ensinar o paciente a lidar com o sentimento historicamente construído da dor da perda e tudo que o envolve.
Há diversas frentes terapêuticas que desenvolvem intervenções, uma delas é a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), que analisa e ajuda a melhorar os comportamentos do enlutado.
Como funciona a terapia de luto?
As cinco fases do luto descrevem o processo de lidar com tais sentimentos, podendo levar o enlutado a superar a perda e seguir em frente com uma vida de qualidade e feliz, apesar dos pesares.
Ou ainda, o sobrevivente pode prender-se à depressão e parar no tempo, sem conseguir levar a própria vida adiante e ficar paralizado pela dor da perda.
Assim, psicólogos, psiquiatras e terapeutas desenvolvem métodos para lidar com cada situação de dor e sofrimento, mas para isso é preciso compreender o que significa a morte e o luto para a humanidade, para então compreender quais os efeitos desses eventos no psicológico humano.
Esses são os assuntos de nosso artigo, que pretende ser uma via para que nossos leitores saibam como, quando e por que procurar ajuda de um profissional para lidar com a dor do luto.
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As diferentes faces da morte
Para poder desenvolver estratégias de como lidar com o luto é preciso, antes, compreender qual a concepção da morte que nos arrebata e como ela se transformou ao longo da história.
Já que, a ideia da morte é uma construção cultural e histórica, assim, a maneira como a percebemos é definitiva para se enxergar quais os efeitos da ausência de uma pessoa querida no psicológico do enlutado.
Qualquer terapeuta que se proponha a tratar um luto patológico se dedica a analisar a construção histórica da morte na humanidade para poder desenvolver estratégias que neutralizem seus efeitos negativos no sobrevivente.
Por outro lado, para o enlutado também é positivo elaborar uma macrovisão em relação às concepções da morte, pois isso facilita o entendimento de que morrer faz parte do ciclo natural da vida e de que aquele pesar que ele sente é algo pontual na vida de alguém, ao mesmo tempo, é contínuo para a humanidade: todos terão de vivenciar o luto um dia.
Assim, vejamos rapidamente quais são as faces da morte ao longo da história e que interferem nas decisões acerca da abordagem terapêutica ao enlutado.
A morte na Antiguidade
Por longos séculos, a distância entre as culturas, por limitações geográficas e nenhuma possibilidade de comunicação, fazia com que os cultos e ritos diante da morte fossem muito particulares para cada grupo populacional.
As referências de mundo, tempo e espaço tinham como base o ciclo natural e a morte era igualmente vista com naturalidade. O próprio pesar era considerado um sentimento natural, e tudo era mais simples: as pessoas se preparavam para morrer e para aceitar a morte desde que nasciam.
Morrer era mesmo uma honra, assim como nascer, o que tornava o sentimento do luto não algo doloroso, mas uma homenagem, uma lembrança, uma maneira de marcar a passagem de uma pessoa sobre a Terra.
As mortes eram vividas com tranquilidade, os rituais tinham caráter público, em que todos manifestavam os seus sentimentos diante da perda, a maioria das mortes era premeditada, raramente havia mortes repentinas ou espontâneas, antes mesmo do falecimento, o moribundo e os familiares se preparavam para o momento da partida, de maneira que encarar o luto era algo natural e coletivo.
A morte na Idade Média
Com o aumento dos encontros interculturais e a expansão do cristianismo, a ideia da morte passou de honrosa para vergonhosa. Predominou o medo pelo juízo final.
A morte ainda era muito presente no dia a dia das comunidades, a humanidade teve de enfrentar pestes e pandemias causadas pelos encontros entre populações com estruturas biológicas diferentes.
No entanto, morrer passou a ser considerado um sinal de fraqueza, tanto que foi empregado o ato simbólico de cobrir a face do morto, para que as pessoas próximas não o encarassem.
Morrer passou a ser considerado um castigo divino e diante da morte predominavam a culpa e o medo.
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A morte na modernidade
A industrialização afetou drasticamente as percepções sobre a morte. Com o aumento populacional, morrer passou a ser visto como algo prejudicial ao coletivo, como se o certo mesmo fosse estar vivo.
Isso fez com que os assuntos sobre a morte passassem a ser interditados. A expressão dos sentimentos do luto não eram mais socialmente aceitáveis.
Silêncio, culpa, castigo, vergonha eram alguns dos fatores que envolviam a morte e o morrer no início da industrialização e que transformou a finitude em um tabu, fazendo com que fosse camuflada e ampliando o medo da morte.
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A morte diante da tecnologia científica
Com o desenvolvimento das ciências a ideia da morte como castigo divino caiu por terra, visto que se passou a compreender as causas e consequências de morrer. Há um abalo nas crenças religiosas e o desenvolvimento de medicamentos, tratamentos e maneiras de driblar a morte.
O aumento da longevidade tornou a ideia da morte ainda mais vergonhosa, pois a regra era viver com vigor o máximo de tempo possível. Perder um filho era um fardo para uma mãe, que era considerada a culpada pela fraqueza da criança.
No século XX, os conhecimentos sobre o corpo humano e sobre as causas da morte fazem com que sofrer uma perda seja um ato individual, a dor da morte torna-se reprimida e escondida, já que morrer é sinal de fraqueza e vergonha. Há a negação da finitude e o encobrimento do sentimento de perda, o que torna a superação da dor inviável.
A morte na atualidade
Atualmente, todas as acepções sobre a morte listadas anteriormente coexistem em algum nível. A fraqueza, a culpa, a vergonha, a raiva, a impunidade, a individualidade, a impotência são algumas das sensações por que passa um enlutado no século XXI.
Morrer hoje é uma fatalidade, em uma sociedade em que as formas de morrer aumentaram significativamente.
Se antes morria-se por doença ou morte intencional, hoje, o número de mortes acidentais aumentou drasticamente, acidentes estes que são de diversos tipos, uma vez que as máquinas e as tecnologias de automação estão cada vez mais presentes, assim como as substâncias tóxicas e a vulnerabilidade a doenças por conta de má alimentação e má qualidade do ar.
As formas de morrer hoje são muitas, mas pouco se faz para acolher um enlutado. Nossa sociedade é extremamente individualista e a dor do outro não nos pertence.
Só os mais íntimos costumam se apoiar em momentos difíceis e, ainda assim, o sentimento de empatia e compreensão é limitado.
Qual a importância de confortar um enlutado?
Ninguém tem paciência com o enlutado, ainda mais aquele que demora para avançar nas fases do luto e sofre com a perda de alguém querido.
Mas por que falar tudo isso para pensar em uma terapia de luto?
Porque para entender como intervir em benefício de alguém que sofre com a dor da morte é preciso compreender a situação pela qual aquela pessoa passa e quais os efeitos da morte sobre ela.
É isso que fizemos aqui e é isso que o psicólogo faz: investiga o contexto da morte e quais terapias podem surtir efeitos positivos em cada contexto.
Se você busca maneiras de confortar alguém que está passando pelo luto, temos uma leitura certa para você: Palavras de conforto para encontrar a paz.
Quando procurar por uma terapia de luto?
A morte é algo natural e o luto também é uma reação natural, de maneira que em nem todos os casos de perda de uma pessoa querida o luto deve ser compreendido como uma doença que precisa ser tratada.
Recomenda-se que se procure a terapia de luto quando o sobrevivente desenvolve sintomas além daqueles proporcionados pelo sentimento de luto, tais como:
- Falta de apetite contínua;
- Desmotivação para realizar as higienes básicas;
- Outras perdas em consequência da dor: perda de emprego, quebra de outros vínculos sociais, perdas materiais, descaso com a organização financeira;
- Isolamento longo e duradouro, sem a manutenção de comunicação mínima com as pessoas próximas;
- Reflexos na convivência familiar, afetando filhos e crianças próximas, de maneira que o comportamento do enlutado desencadeia na desestruturação dos vínculos afetivos e em danos emocionais;
- Falta de motivação para realizar as tarefas básicas do cotidiano;
- Distanciamento de suas funções sociais e profissionais.
Em grande parte das vezes, o enlutado é encaminhado para a terapia de luto por um amigo ou parente próximo que vem intervir em prol de sua saúde mental.
É importante que alguém empático observe os comportamentos do enlutado para que seja possível avaliar se é necessário procurar ajuda de um psicólogo.
Os casos mais comuns que precisam de intervenção médica são diante de mortes inesperadas, precoces e que envolve uma pessoa muito íntima. Mortes violentas também merecem atenção, pois o enlutado pode desenvolver estresse pós-traumático.
O que é o luto?
Para conseguir perceber se o luto vivenciado pela pessoa que sofre pela dor da perda segue seu processo natural ou se está em estágio patológico é preciso compreender quais são as fases do luto definidas pela psicologia da morte.
Há duas abordagens das fases do luto que podem servir como auxílio para o leigo que quer identificar possíveis complicações em uma pessoa próxima que enfrenta o sentimento de ausência.
As fases do luto por Kübler-Ross
Para a pesquisadora, o luto divide-se em cinco fases que são normais e esperadas para qualquer um que tenha que encarar a morte de perto:
- Negação: a pessoa não consegue encarar a nova realidade e negar os fatos é uma maneira de proteger-se da dor;
- Raiva: uma vez consciente de que a morte de fato está presente, o enlutado passa a manifestar seus sentimentos de revolta;
- Barganha: é o momento em que a raiva diminui e o enlutado começa a negociar por um futuro melhor ou por uma mudança da realidade;
- Depressão: pode ser preparatória, em que o enlutado fica reflexivo, em um silêncio e um isolamento necessários para que compreenda a si mesmo e equacione os seus sentimentos. Pode ser reativa, em que o estado de melancolia leva a outros prejuízos, como perda de emprego ou corte de outros vínculos afetivos;
- Aceitação: quando o enlutado já consegue encarar a nova realidade e tem condições e vontade de seguir a vida adiante, mesmo com a ausência da pessoa querida.
É absolutamente natural que pessoas que vivenciam a morte passem por essas etapas.
No entanto, quando já se passou mais de seis meses e a pessoa não apresenta melhoras, quando a pessoa não passa do estágio de negação, ou apresenta uma raiva extremamente agressiva, ou apega-se à depressão de tal forma que não consegue alcançar a aceitação da morte é preciso encaminhá-la para a terapia de luto.
As fases do luto por John Bowlby
Segundo este cientista, o luto passa por quatro fases, que estruturam os sentimentos da perda de uma maneira diferente de Kübler-Ross, mas que também são amplamente consultadas pelos psicólogos que estão tratando de um enlutado.
- Entorpecimento: um momento de choque e negação, que se expressa no momento logo após a descoberta da notícia da morte;
- Anseio: há a vontade de recuperar a pessoa falecida, ilusões de que o ente querido irá reaparecer a qualquer momento, sonhos e pensamentos que levam a contornar a realidade;
- Desespero: a pessoa finalmente encara a realidade da ausência da pessoa amada e surgem os sentimentos de culpa, ansiedade, raiva e tristeza, pois o enlutado se sente abandonado e incapacitado de reverter a situação;
- Reorganização: passados o desespero e a desordem, o enlutado tem finalmente capacidade de se recuperar diante da nova realidade de vida que, enfim, tem condições de enxergar.
Tais fases são comuns e naturais para todos que lidam com a perda e encará-las é a única maneira de conseguir seguir em frente.
Qual a função da terapia de luto?
Um terapeuta que trata de enlutados tem como função ser empático com a situação de vulnerabilidade emocional e auxiliar o paciente a vivenciar com qualidade as fases do luto, de modo a desenvolver autoconhecimento e aceitação da realidade.
O psicólogo ensina o paciente a compreender os próprios sentimentos de maneira lógica e tranquila, ajuda-lo-á a perceber a nova realidade, a lidar com a tristeza, com a morte e com a ausência de maneira natural.
O acompanhamento durante as fases do luto é essencial para que o enlutado não se sinta abandonado ou solitário e evite amplificar seu desespero e seu sentimento de incapacidade.
A partir disso, o terapeuta auxilia a adequar os comportamentos do enlutado para o seu contexto de vida, de maneira que ele passa a ser reinserido no ambiente social e profissional em que vive.
Tem-se como objetivo da terapia de luto evitar grandes alterações emocionais, neutralizando os estresses desnecessários e adicionais na vida do enlutado e das pessoas que estão ao seu redor.
A base para esta abordagem terapêutica é de que os comportamentos são regrados pelos pensamentos, de maneira que é preciso fazer uma intervenção de acolhimento emocional para que o enlutado possa vir a comportar-se de maneira saudável e possa sobreviver com qualidade, mesmo diante da morte.
Além disso, espera-se que o sobrevivente consiga lembrar-se do ente querido de maneira positiva para que, enfim, a morte seja vista com naturalidade.
Por fim, não hesite em procurar ajuda para si mesmo ou para alguém próximo.