Conheça a origem do Dia dos Mortos no México e como essa tradição tão particular conseguiu adeptos pelo mundo todo, simplesmente por tratar a morte com naturalidade e alegria.
“[…] o dia dos mortos no México é uma das representações mais relevantes do patrimônio vivo do México e do mundo, e como uma das expressões culturais mais antigas e de maior força entre os grupos indígenas do país.”
A frase de abertura deste artigo faz parte da deliberação da UNESCO ao definir, em 2003, o Dia dos Mortos no México como Património Cultural Imaterial da Humanidade. Título mais do que merecido, visto que essa tradição mexicana superou barreiras temporais e geográficas, mantendo a sua representatividade ao longo dos séculos e ao redor do mundo.
As relações que temos com a morte a partir da modernidade — quando as ciências passaram a ser desenvolvidas em favor da longevidade — são de medo e vergonha, como se morrer fosse um sinal de fraqueza. Dessa forma, muitas culturas perderam a noção de naturalidade do ciclo da vida e encaram a morte com medo e rejeição.
Esse é um dos motivos pelo qual o original Día de los Muertos se destaca. A festividade não é apenas uma manifestação cultural que precisa ser preservada, mas é também uma prova de como as comunidades indígenas, muito antes da colonização, compreendiam a morte.
Se a morte remete à tristeza para a grande maioria das sociedades ocidentais, o Dia dos Mortos no México é um exemplo de que uma fatalidade não precisa significar um fim melancólico, mas pode ser vista como parte do ciclo natural da vida. Nessa perspectiva, a morte é motivo de comemoração.
Vejamos, então, como os mexicanos mantêm relação saudável com o fim da vida manifestada no Dia dos Mortos e de que maneira a tradição conquistou o mundo, chegando a merecer um espaço nas telas da Disney-Pixar, divulgando a ideia para milhões de crianças em diversos países.
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O Dia dos Mortos muito antes de Colombo
Época pré-colombiana é o nome dado ao tempo histórico que abrange toda a dimensão cultural e social anterior à chegada de Cristóvão Colombo ao Novo Mundo, em 1492, o pioneiro da colonização do território conhecido hoje como América Espanhola.
Nesse amplo espaço temporal e geográfico está situado o México e o longo percurso das populações indígenas norte-americanas.
Ressaltamos isso porque a colonização é um fato determinante na construção do Dia dos Mortos, uma manifestação que mudou muito desde as suas origens, mas que mantém resquícios das crenças dos povos nativos.
Nessa história, os colonizadores espanhóis representam o cristianismo, inovador em sua influência na época das grandes navegações, enquanto os indígenas representam a tradição dos hábitos culturais daqueles que ocupavam o solo americano muito antes de haver qualquer possibilidade de se empregar tal nomenclatura.
Assim, o encontro entre a civilização europeia e as comunidades fixadas na região do México construíram, em meio a grandes embates, o tradicional Dia dos Mortos definido como Patrimônio Imaterial da Humanidade.
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O encontro intercultural e a adaptação do Dia dos Mortos no México
Durante milênios, quando ainda não se tinha a mínima noção da dimensão do Planeta Terra, a região norte-aricana era ocupada por povos como os astecas, os maias, os purépechas e os totonacas. Foram essas populações as responsáveis por dar origem ao Dia dos Mortos.
Apesar de terem muitas divergências, essas populações tinham algo em comum: celebrar a morte e o renascimento.
Assim, no nono mês do calendário solar, há um dia em que, segundo as crenças indígenas, os parentes falecidos visitam seus familiares na Terra.
É um momento cósmico em que a fronteira entre a vida e a morte fica mais fina, o que permite que as almas transitem para o mundo dos vivos.
Para recebê-los, toda a comunidade enfeitava os crânios dos falecidos, que eram mantidos conservados, ofereciam comidas e bebidas, prestigiavam com objetos e manifestações que eram apreciadas pelos falecidos em vida.
Além disso, a visita era merecedora de muita música e festa, uma maneira de agradar os inusitados visitantes e acolher a sua chegada com alegria e amor.
Tudo isso é realmente muito diferente do que os cristãos com sua missão colonizadora estavam acostumados, os quais celebravam (e ainda celebram) o Dia dos Finados com velas, silêncio, orações e um toque de melancolia.
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Dia dos Finados e Dia dos Mortos: união de diferentes culturas
Diz a lenda que os espanhóis ficaram estupefatos quando viram como os indígenas lidavam com a morte. Não compreendiam como era possível celebrar a morte com festa, música e alegria.
Assim, passaram a considerar o Dia dos Mortos como um ato de paganismo que deveria ser desencorajado.
Sem sucesso nas tentativas de descredibilizar o Dia dos Mortos, o jeito foi torná-lo um pouco mais cristão.
Dessa maneira, os colonizadores encaixaram a comemoração no calendário europeu, deslocando a data para o 2 de novembro, em que se relembra os falecidos na tradição católica.
Ainda assim, mudar a data não foi suficiente, pois a cultura que envolvia o Día de los Muertos era muito arraigada e significativa para os povos indígenas.
Ao longo do tempo, algumas características do cristianismo passaram a fazer parte do ideário dessa manifestação cultural, como a adoção do uso de velas e a substituição das caveiras e crânios de verdade por outros meramente representativos e feitos de materiais diversos.
Com isso, formou-se uma das manifestações culturais mais antigas das Américas. Com um toque europeu e uma essência dos antigos povos nativos, o Dia dos Mortos está presente em muitos países além do México, principalmente nos Estados Unidos, onde há grande concentração de imigrantes haitianos.
Não só isso, muitos países da América Central também têm o Dia dos Mortos como tradição, fazendo com que a ideia da morte como melancólica e evitável seja desafiada.
As simbologias no Dia dos Mortos no México
As cores, comidas, enfeites, bonecos, altares e as atitudes que compõem a peculiar tradição mexicana não são meramente aleatórias.
Já que, cada elemento tem o seu significado simbólico e representa a relação que essas populações têm com a morte, como herança das antigas crenças indígenas.
Para você entender melhor, selecionamos as principais características do Día de los Muertos como o é no século XXI, para que assim possamos compreender mais a fundo os motivos que fazem desse evento tão especial um patrimônio cultural e um show de diversidade por sua construção intercultural ao longo dos séculos. Confira abaixo:
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A Dama da Morte
Em suas origens, o Dia dos Mortos era presidido pela esposa do Rei dos Mortos, conhecido pela tradição indígena como Mictlantecuhtli.
A Dama da Morte recebeu novos contornos no século XX, quando a identidade do povo mexicano estava sob ameaça pela forte influência da aristocracia europeia.
Assim, surgiu La Catrina, uma representação literária da tradicional caveira da Dama da Morte, que, pintada por José Guadalupe Posada, tinha como objetivo representar a tradição mexicana, fazendo uma crítica social à desigualdade que crescia no país.
Segundo o artista, La Catrina foi criada com a intenção de mostrar que a morte é democrática, visto que, não importa idade, cor de pele ou classe social, uma vez falecidos todos se transformam no mesmo esqueleto, osso sobrepondo osso.
Essa era a essência básica do Dia dos Mortos desde os primórdios da comemoração, no entanto, a criação de Guadalupe Posada deu vida à imagem de Catrina: um esqueleto com chapéu francês e roupas das damas da alta sociedade.
Hoje, é o símbolo mais icônico do Dia dos Mortos ao redor do mundo, uma maneira bem-humorada de deixar registrado que a morte chega para todos.
Esqueletos e caveiras
Os esqueletos e as caveiras decoradas são o grande símbolo mundialmente conhecido do Dia dos Mortos mexicano. Os chapéus, as flores e as cores que adornam os esqueletos remetem automaticamente à festa mexicana.
Originalmente, os indígenas usavam crânios e esqueletos naturais conservados para atrair seus parentes.
Mas, atualmente, o símbolo é meramente decorativo. Assim, usam-se máscaras, bonecos e crânios de açúcar para retomar a tradição aliada com a estética da Catrina criada por Guadalupe Posada.
As flores e os seus significados
O Dia dos Mortos é repleto de flores coloridas. Elas são uma maneira de representar a leveza e a transição entre a vida e a morte. Sua função principal é decorar o altar em homenagem ao falecido.
Dispostas em forma de arco, as flores constroem um portal ante o altar, que guia a alma do ente querido para a passagem ao mundo mortal nesse dia especial de visitas e reencontros.
Crisântemos e cravos são as principais plantas vistas nas decorações do festejo, no entanto, a mais utilizada é o cravo-de-defunto, ou cempasúchil.
A sua forte cor amarela é um símbolo do Sol, na cultura asteca, usada para iluminar os túmulos e os altares, mas também servem para formar caminhos com suas pétalas, que encaminham o falecido em direção a seus familiares.
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A disposição do altar
Os altares mexicanos preparados para o Dia dos Mortos são ainda mais emblemáticos. Cada família prepara seu altar, que possui uma estrutura muito significativa, dividida em sete níveis.
O primeiro nível, disposto no chão, tem como característica uma cruz cristã, feita de flores, frutos ou sementes e acompanhada de outros símbolos do cristianismo, como velas e imagens de santos. Um bom exemplo da mistura cultural que compõe o Dia dos Mortos.
O segundo nível conta com fotografias das pessoas falecidas a quem o altar está sendo dedicado, como uma maneira de homenagear, mas também criar uma identidade para a alma visitante se situar no mundo terreno.
O terceiro nível é repleto de comidas, frutas da estação e os pratos preferidos do falecido. O quarto nível é reservado para o pão dos mortos, de origem muito antiga, a oferta desse alimento é um ato de consagração entre a vida e a morte.
O quinto nível é devidamente decorado e coberto com sal, um elemento essencial para o Dia dos Mortos mexicano, simbolizando a purificação.
O sexto nível é especialmente voltado para as almas no purgatório, enquanto o sétimo se dedica às rezas e aos santos que guiam cada família.
O Dia dos Mortos no México e a diversidade religiosa
A intolerância religiosa é um mal que ainda assola a sociedade. Muitos veem as tradições mexicanas com desdém, certos de que comemorar a morte e acampar no cemitério — entre outras tradições dessa data — para esperar a passagem das almas para o mundo dos vivos são ações exageradas.
No entanto, essas manifestações são históricas e culturais. Como vimos, fazem parte de uma visão da morte como natural e necessária, proveniente da espiritualidade dos povos indígenas, tão conectados com os ciclos da natureza.
Querendo ou não, a ideia mexicana diante da morte, tão diferente da tradição cristã, já faz parte de uma cultura mundial e alastra-se pelas sociedades globalizadas ao lado do famoso Halloween.
Essas apropriações culturais e misturas são a marca do século XXI, em que as trocas de informações entre as diferentes populações estão cada vez mais facilitadas.
Antes de encerrar este artigo, é preciso mostrar para você um assunto que discute diferentes visões sobre os mistérios da morte. Sinta-se à vontade para conferir: Experiência de Quase Morte (EQM): quais são os impactos na vida de um sobrevivente? (new.centralfuneraria.co)
O Dia dos Mortos no México na mídia!
A grande produtora Disney-Pixar fez a sua parte para dar visibilidade ao evento reconhecido pela UNESCO e mostrar para as crianças do mundo todo que a diversidade cultural existe, até mesmo quando se trata de dar significados à morte e ao culto aos falecidos.
Assim, em 2017, foi lançada a animação Viva – a Vida é uma Festa, que conta a história de um menino mexicano cujo sonho é tornar-se músico.
Para isso, ele precisa entender e reconhecer as tradições de sua família. Assim, esse filme animado representa o tom alegre da celebração do Dia dos Mortos e leva ao mundo as características da milenar tradição mexicana.
Por fim, sobre a morte só restam incertezas, assim, toda forma de lidar com ela é bem-vinda.
Se o Dia dos Mortos persiste depois de mais de 3 mil anos, é um indício de que é uma maneira confortável de enxergar a efemeridade e lidar com os sentimentos da perda de pessoas amadas.
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